O texto que segue abaixo (capítulos VI e VII e Conclusão) são parte do trabalho acadêmico de título:
OS
DESAFIOS E AS CONQUISTAS DAS MULHERES
Por: ANA
PATRÍCIA ARAÚJO BRAGA
FABIANA ARAÚJO BRAGA
MARIA DO SOCORRO LOPES
FABIANA ARAÚJO BRAGA
MARIA DO SOCORRO LOPES
VI
- A CONDIÇÃO DA MULHER NEGRA NO BRASIL (*)
Quando falamos em
mulher negra no Brasil é importante traçarmos seu
perfil para que possamos demarcar diferenças com as
visões estereotipadas.
As mulheres negras
brasileiras são 25% da população. A maioria é
analfabeta ou semi-analfabeta. A remuneração está
em geral na faixa de um salário mínimo. Muitas
chefiam família em maior número que as brancas. Tal
perfil demonstra que a maioria das mulheres negras
vive em condição de pobreza.
O Brasil é o país de
maior população negra fora da África;
historicamente um país escravocrata onde ainda
perduram as idéias racistas nas instituições
governamentais e na sociedade em geral. Mesmo quando a
pessoa negra ainda não adquiriu a consciência do
racismo, ser negra em nosso país significa viver em
condição de extrema desigualdade social e racial.
Considerando que a
mulher no Brasil, até a Constituição de 1988, era
legalmente cidadã de segunda categoria, ser mulher
negra e pobre significava não ter os direitos mínimos
de cidadania assegurados juridicamente.
É no contexto descrito
que precisamos situar a denominada "questão da
mulher negra"; como ela surgiu, se estabeleceu e
chegou ao que hoje se convencionou chamar de Movimento
de Mulheres Negras, a luta organizada contra a tripla
discriminação.
Durante muitas décadas,
o movimento feminista trabalhou com a idéia da
"irmandade" das mulheres; que a opressão da
mulher, ou, como se diz hoje, a opressão de gênero,
atingia de forma igualitária e indiferenciada a todas
as mulheres. Graças à presença e ao trabalho de
feministas negras esta idéia está superada. Hoje, é
ponto pacífico que, embora a opressão de gênero
seja algo comum a todas as mulheres nas sociedades
patriarcais, ela é sentida diferentemente porque
entre nós, as mulheres, existem diferenças de classe
e de raça. E o racismo só é comum às mulheres
"não-brancas".
Podemos aplicar a mesma
análise aos homens negros, mais especificamente ao
movimento negro. Durante muitos anos, as mulheres
negras que se assumiam feministas foram acusadas de
dividir a luta anti-racista, tão-somente porque
diziam que era impossível a irmandade entre os negros
porque, parafraseando Elizabeth Lobo, a população
negra, assim como a classe operária, tem dois sexos e
um deles era oprimido. Faltava ao Movimento Negro
considerar as especificidades das mulheres negras.
Hoje, cresce nele a compreensão de que é preciso
considerar a perspectiva de gênero para fortalecer a
luta anti-racista.
A síntese do papel
desempenhado pelas feministas negras nos movimentos
negro e feminista foi feita magistralmente por Suely
Carneiro: "A luta das mulheres negras brasileiras
contra a opressão de gênero e de raça vem
desenhando novos contornos para a ação política
feminista e anti-racista. Este novo olhar feminista e
anti-racista, ao integrar a tradição de luta do
movimento negro e do feminista, afirma esta nova
identidade política decorrente do ser mulher e negra.
O atual movimento de
mulheres negras ao trazer para a cena política as
contradições resultantes das variáveis raça,
classe e gênero, promove a síntese das bandeiras de
luta historicamente levantadas pelos movimentos negros
e de mulheres do nosso país, enegrecendo, de
um lado as reivindicações das mulheres e, por outro,
promovendo a feminização das propostas e
reivindicações do movimento negro."
Mulher negra em
dados
Trabalho.
A pouca escolaridade e a falta de uma profissão
considerada "qualificada" justificam o lugar
que a mulher negra ocupa no mercado de trabalho: o
mais desvalorizado socialmente e de pior remuneração.
Considerando-se os rendimentos, conforme o Mapa do
Mercado de Trabalho (IBGE, 1990), a média nacional em
salários mínimos dos homens brancos era de 6,3 e a
dos negros 2,9; as mulheres brancas ficavam com 3,6 e
as negras com apenas 1,7.
O estudo do PNUD para o
Brasil aponta que "o rendimento médio dos homens
pretos e pardos correspondia em 1990, respectivamente,
a 63% e 68% do rendimento dos homens brancos. A posição
relativa da mulher preta e parda em relação à
mulher branca é semelhante: seu rendimento
correspondia a 68% da mulher branca."
Em 1980, apenas
1.757 mulheres negras ganhavam mais de 20 salários mínimos
em uma População Economicamente Ativa de 4 milhões
de mulheres negras. O lugar da mulher negra no mercado
de trabalho está demarcado no
imaginário de
chefias e profissionais de recursos humanos pelo
estereótipo de beleza branca, a tão falada "boa
aparência". Em funções como vendedora,
recepcionista e secretária são exigidos determinados
atributos estéticos, considerados exclusividades das
brancas. Estas e as amarelas estão representadas de
quatro a cinco vezes mais que as negras, com
respectivamente 8,9%, 11% e 2,2%.
Educação.
Dados do censo de 1980 demostram que 80% das
mulheres negras estão na faixa dos que têm até
quatro anos de estudo, enquanto que as brancas, na
mesma faixa, eram 67%. Dados da PNAD (1987) informam
que 62,7% das negras não terminaram o antigo curso
primário e que as negras analfabetas eram o dobro das
brancas.
Segundo pesquisas de
Piza (1994), "as mulheres negras analfabetas ou
de baixo nível de instrução compõem um enorme
contingente de empregadas domésticas ou empregadas em
funções consideradas domésticas.
As mulheres negras com
maior escolaridade (até o segundo grau) vão
apresentar uma trajetória ocupacional bem
diferenciada das mulheres brancas do mesmo nível
educacional.
A escolaridade não
parece ser a determinante do padrão salarial das
mulheres negras: é a ocupação manual mais
especializada e a jornada de trabalho mais extensa que
parecem determinar maior rendimento."
Violência.
A violência contra a mulher historicamente é
definida como espancamentos, estupro, assassinatos
(violência doméstica e sexual). No caso das mulheres
negras, a violência racial soma-se às outras faces,
o que aprofunda as suas vivências em meio à violência,
aqui iniciada com o tráfico de escravos negros. Este
implicava a violência sexual perpetrada pelos
senhores de escravos, seus familiares e agregados
contra as mulheres negras, os estupros –
considerados naturais, já que escravas não eram
donas de seus corpos, além das lesões corporais do
tronco e do pelourinho.
Atos violentos, como o
machismo e o racismo atuais, visam desumanizar as
mulheres, negar-lhes a condição de pessoas e
transformá-las em "coisas". A
despersonalização é comprovada pelo fato de que
quando as mulheres procuram os órgãos de proteção,
em geral, não possuem mais seus próprios documentos
e nem os dos filhos, pois na maioria das vezes eles
foram rasgados, queimados ou estão em poder dos seus
algozes. Estando sem documentos, simbolicamente, é
como se elas não existissem e os filhos não lhes
pertencessem.
A violência doméstica
(cometida em casa pelo pai, filho e principalmente
marido/ companheiro) é uma dura realidade no caso das
mulheres negras. Dados preliminares do Benvinda –
Centro de Apoio à Mulher da Prefeitura Municipal de
Belo Horizonte, demonstram que, naquele município,
62% das mulheres que denunciam situação de violência
são negras. Logo, cabe a este equipamento social ter
especial atenção com o recorte racial da violência
doméstica.
Banalizar a violência
e suas decorrências tem sido a saída encontrada por
agressores racistas e machistas para a busca de
aliados sociais que possam comungar destes atos.
Arnaldo Xavier, poeta negro de São Paulo, afirma que
o único espaço de cumplicidade efetiva entre o homem
negro e o branco é o machismo. Eles estariam de
acordo e seriam cúmplices no direito que ambos se dão
de oprimir, discriminar e desumanizar as mulheres
brancas ou negras.
Diante do quadro
mencionado, é enorme a importância do "quesito
cor" nos dados de identificação pessoal,
sobretudo nos serviços de saúde. Nesse sentido, é
de grande valor o decreto do Ministério da Saúde, de
março de 1996, que dispõe sobre a padronização de
informações sobre raça e cor dos cidadãos
brasileiros e estrangeiros residentes no país.
Segundo Fátima
Oliveira, as principais doenças com interfaces
definidas com a saúde reprodutiva da mulher negra são:
diabetes tipo II, miomas, hipertensão arterial e a
anemia falciforme.
Hoje sabemos que a
diabetes tipo I (infanto-juvenil/insulino-dependente)
é mais comum em brancos e a diabetes tipo II (ou
adulta/não-insulino-dependente) é prevalente
em negros.
Os miomas uterinos são
os tumores que mais acometem as mulheres, em geral
entre a primeira menstruação e a menopausa. Quase
sempre são benignos (menos de 1% dos miomas se tornam
malignos). Pesquisa realizada por Souza (1995)
concluiu que são altas incidência e reincidência de
miomas nas mulheres negras pesquisadas e que a taxa de
histerectomias (extração cirúrgica total do útero)
nas negras foi de quase cinco vezes maior que nas
brancas.
A hipertensão arterial
é responsável por 12 a 14% das causas de todos os óbitos
de adultos no Brasil. Sabe-se que a pressão arterial
é mais alta nos homens e é prevalente em negros, de
ambos os sexos. Em negros aparece mais cedo, é mais
grave e mais complicada. A primeira causa de morte
materna no Brasil é por toxemia gravídica, uma
conseqüência da hipertensão arterial não
controlada durante a gravidez. Donde podemos concluir
que é muito provável que as mulheres negras sejam as
mais atingidas pela mortalidade materna no Brasil.
A anemia falciforme é
hereditária e é a doença genética mais comum da
população negra no mundo. Segundo dados de Zago
(1996), nasciam no Brasil cerca de 700/mil pessoas com
doenças falciformes e existiam pelo menos 8 mil
pessoas falcêmicas (possuem dois genes para anemia
falciforme) e 2 milhões de pessoas com um gene da
anemia falciforme.
Alves (1996) informa
que foi de 2.387 o número total de óbitos
declarados, de
1979 a 1995, cuja causa
foi a anemia falciforme. Apesar de sabermos que este
dado não é o retrato da realidade – sobretudo
porque se o diagnóstico de anemia falciforme em geral
não é feito, declarar anemia falciforme como causa
de morte é uma raridade e um feito heróico –, o
estudo citado conclui que "quase 80% dos doentes
de anemia falciforme não completaram 30 anos de
idade, enquanto 88% das pessoas que morreram em decorrência
da doença não tiveram o registro correto de sua
causa de morte".
Para Alves, "a
primeira observação (grande mortalidade nos
primeiros anos de vida) reflete a gravidade da doença;
a segunda é muito mais preocupante, pois reflete,
principalmente, a incapacidade do sistema de atenção
à saúde (aí incluídos os profissionais médicos)
de detectar a moléstia. A deficiência na detecção
da doença tem, provavelmente, três causas
fundamentais: a) falta de um programa de detecção
sistemática da doença; b) falha da educação do
pessoal de saúde para diagnosticar; c) morte de
grande número de pacientes como conseqüência de
complicações da doença sem assistência médica."
Diante desta realidade,
a elaboração de diretrizes nacionais para a
abordagem da doença é bem-vinda. O Programa de
Anemia Falciforme (PAF) do Ministério da Saúde
(1996) é visto como um sinal de boa vontade, de enfim
dar uma atenção integral e digna às pessoas
acometidas pela doença, além do que representa o
atendimento de uma antiga reivindicação do Movimento
Negro. (...)
® Um panorama da
lutas
Enquanto mulheres
negras em luta, estamos nós mesmas assumindo e traçando
nosso destino histórico nessa nova sociedade que
pretendemos construir: sem discriminação de qualquer
natureza, seja sexual, social, racial ou de classe.
(*)
texto: "Mulher Negra Pobre – a tripla
discriminação" por Benilda Regina Paiva
de Brito, militante do Nzinga-Coletivo de Mulheres
Negras e coordenadora do Benvinda-Centro de Apoio à
Mulher da Prefeitura de Belo Horizonte e da Regional
Brasil na Rede de Mulheres Afrocaribenhas e
Afrolatinas.
Há várias pesquisas
mostrando o impacto da chegada das mulheres ao mercado
de trabalho e sua ascensão aos postos de comando . De
acordo com o levantamento da Catho , grupo
especializado em recrutar executivos, as mulheres estão
roubando as vagas dos homens, ascendendo mais
rapidamente aos altos postos e ganhando mais. A grande
virtude das mulheres é colocar a liderança como uma
orientação , e , não como uma ditadura. Os homens e
as mulheres podem ser igualmente eficientes.
Ainda não se sabe
sobre números seguros sobre o espaço que as mulheres
ocupam no mercado. Já se sabe que elas estão sendo
recrutadas em bom ritmo e que, nos últimos dois anos
, a participação feminina nos cursos de mestrado de
administração de empresas na área de finanças
dobrou.
As principais características
profissionais que diferenciam homens e mulheres , são:
- as mulheres são mais persistentes numa negociação ;
- sabem trabalhar em equipe ;
- fazer planejamento a longo prazo;
- preocupa-se com detalhes, etc.
Apesar de tomar o
emprego dos homens, as mulheres estão começando a
servir também como modelo na hora de contratar.
CONCLUSÃO
Muitas mulheres estão
mostrando que filhos, marido, uma casa para cuidar e
os eternos preconceitos não são barreiras intransponíveis
para se atingir o sucesso profissional e a realização
pessoal.
A mulher começa a
mostrar que tem tanta capacidade quanto o homem, através
de sua competência, criatividade, maneira de encarar
os desafios.
A grande
responsabilidade de homens e mulheres formadores de
opinião é fazer valer a Constituição: homens e
mulheres são iguais, com especial atenção para as
mulheres chefe de família, mulheres pobres, as
mulheres discriminadas duplamente por serem negras, as
mulheres rurais, as que não conseguem enfrentar o
cotidiano da violência doméstica, etc.
As mulheres não querem
ser homenageadas com flores, discurso evasivo ou
exaltadas por seu sexo, querem o fim da discriminação
e da violência e o direito ao trabalho, à saúde e
à educação.
Querendo ver o trabalho acadêmico em questão na íntegra é só clicar:
Ainda para ilustras o papel da mulher enquanto cidadã negra, fui buscar no Recanto das Letras uma poesia de minha autoria, acompanhada pela poesia de um poeta angolano, ambas retratando as lutas do negro através do tempo e da história, abaixos apresentadas:
Voz do sangue
(Agostinho Neto - autor angolano)
Palpitam-me
os sons do batuque
e os ritmos melancólicos do blue
Ó negro esfarrapado do Harlem
ó dançarino de Chicago
ó negro servidor do South
Ó negro de África
negros de todo o mundo
eu junto ao vosso canto
a minha pobre voz
os meus humildes ritmos.
Eu vos acompanho
pelas emaranhadas áfricas
do nosso Rumo
Eu vos sinto
negros de todo o mundo"
Clamor de uma raçaPalpitam-me
os sons do batuque
e os ritmos melancólicos do blue
Ó negro esfarrapado do Harlem
ó dançarino de Chicago
ó negro servidor do South
Ó negro de África
negros de todo o mundo
eu junto ao vosso canto
a minha pobre voz
os meus humildes ritmos.
Eu vos acompanho
pelas emaranhadas áfricas
do nosso Rumo
Eu vos sinto
negros de todo o mundo"
Em cada canto do mundo
Onde pisaste, descalço e humilhado
De corpo e alma assim ferido e desterrado
Um canto, um clamor inda ressoa:
Chora ainda tua ausencia n'África
Pais, filhos e netos desgarrados
Ouve-se o grito africano do passado
Ecoando livre pela africanidade...
No sangue do criolo menosprezado
Correndo na veia do neguim pivete
Nas ruas com o preto veio mendigo
Na lascívia da mulata prostituida
Alforriados na miséria pela vida
Subindo da senzala pra favela
Do banzo, a saudade de uma terra
À luta em prol da sua negritude
E eu que herdei de ti os negros traços
Que marco meu caminho com negros passos
"Vos acompanho pelas emaranhadas africas"
Nas vozes que retumbam pelo mundo
No canto e no clamor de uma raça...
Irene Cristina dos Santos Costa - Nina Costa, 22/03/2012
http://www.recantodasletras.com.br
Por:
Irene Cristina dos Santos Costa e Valéria do Nascimento Pereira
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Grupo MSul04 "Performance Negra"