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sábado, 24 de setembro de 2011

A VIOLENCIA SIMBÓLICA, A VIOLENCIA DOMÉSTICA E SEUS MITOS


Violência simbolica
Não há novidade a menção de que as mulheres que sofrem de violência das mais diversas maneiras são rotuladas e estigmatizadas por alguns, se não a sua maioria, membros da comunidade. O entendimento discriminador é que estar nestas condições é uma escolha pessoal, que se caso assim a mulher o desejasse poderia deixar de sofrer, nas “mãos” do seu agressor. Certas expressões pejorativas como: “apanha porque quer” demonstra o “machismo” e a indiferença que se dá a violência doméstica. É preocupante, pois se sabe que nesta relação que além de estar no imaginário das pessoas o amor associado a submissão do sexo feminino, verifica-se na sua concretude uma das piores violências enraizadas nas relações de dominação masculina: a violência simbólica.
Também sempre vi na dominação masculina, e no modo como é imposta e vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo que eu chamo de violência simbólica, violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento.

A dominação masculina é vista como um habitus aceito por todos os integrantes do campo social como algo natural, inclusive a mulher acaba reconhecendo essa superioridade, mas a entende normal. Essa visão de normalidade que se organiza nas diferenças de gênero, masculino e feminino, instituindo o que cabe ao homem e aquilo que pertence a mulher, fazem com que os dominados compactuem com essa sutil violência, construindo-se dois mundos sociais hierarquizados.

A violência simbólica se institui por intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para se pensar, ou melhor, para pensar sua relação com ele, mais que de instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não sendo mais que a forma incorporada da relação de dominação, fazem essa relação ser vista como natural; ou, em outros termos, quando os esquemas que ele põe em ação para se ver e se avaliar, ou para ver e avaliar os dominantes (elevado/baixo, masculino/feminino, branco/negro etc.), resultam da incorporação de classificações, assim naturalizadas, de que seu ser social é produto.

Mas quando se fala nesse papel de aceitação e reconhecimento adotado pela mulher, não se está querendo minimizar a ação da violência física, esquecendo, que “há mulheres espancadas, violentadas, exploradas”, ou na pior das hipóteses, centrar-se nessa idéia para “tentar desculpar os homens por essa forma de violência”. Dessa forma, tem-se que entender “simbólico” com o contrário de real, supondo-se que a violência simbólica é “meramente espiritual e, indiscutivelmente, sem efeitos reais”.

Entretanto, os efeitos desse tipo de dominação se exercem através da percepção e da avaliação do que constituem o habitus, assim, a lógica da dominação masculina e da submissão feminina, tornam-se espontâneas e extorquidas ao mesmo tempo, podendo ser compreendida, somente permanecendo- se atento aos efeitos duradouros que essa ordem social acaba exercendo nas mulheres e nos homens, harmônicas nessa invisível imposição.

Observa-se que as condições sociais que reproduzem essas tendências, fazem com que os dominados adotem o ponto de vista dos dominantes, efetivando-se alheio a vontade, demonstrando um poder também simbólico nas suas manifestações. Verifica-se que a dominação só se perpetua através dessa cumplicidade e que as mulheres acabam sendo excluídas do sistema social. Mas também são reprodutores dessas exclusões sociais a própria família, a escola, a igreja, na divisão do trabalho, nas disposições ditas femininas e masculinas.


É, sem dúvida, no encontro com as “expectativas objetivas” que estão inscritas, sobretudo implicitamente, nas posições oferecidas às mulheres pela estrutura, ainda fortemente sexuada, da divisão de trabalho, que as disposições ditas “femininas”, inculcadas pela família e por toda a ordem social, podem se realizar, ou mesmo se expandir, e se ver, no mesmo ato, recompensadas, contribuindo assim para reforçar a dicotomia sexual fundamental, tanto nos cargos, que parecem exigir a submissão e a necessidade de segurança, quanto em seus ocupantes, identificados com posições nas quais, encantados ou alienados, eles simultaneamente se encontram e se perdem.

quarta-feira, 14 de julho de 2010


Os mitos e obstáculos no enfrentamento da violência doméstica contra a mulher



Por Mayra Cotta
Há diversos mitos e obstáculos que devem ser superados no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo necessário, para tanto, identificá-los e enfrentá-los. Apenas dessa forma, abre-se o caminho para a compreensão da complexidade do tema, possibilitando o entendimento das dificuldades encaradas por uma mulher em situação de violência doméstica e familiar, dificuldades estas que, muitas vezes, colocam a sua própria saúde física e psicológica em risco.
Na tentativa de se encontrar relações causais para a violência doméstica, muitas explicações simplistas foram sendo construídas, desconsiderando-se a complexidade do fenômeno. E, assim, surgiram os mitos, que constituem verdadeiros obstáculos ao enfrentamento da questão. O primeiro mito que se pode apontar é que a violência doméstica afeta uma pequena parcela da população. Ao contrário, diversas são as pesquisas que apontam para as dimensões alarmantes que este problema social possui, demonstrando que uma parcela considerável da população feminina já sofreu agressão física ou sexual por um parceiro íntimo na vida.
O segundo mito que cerca a violência doméstica, e talvez o mais insultante, diz que mulher sem situação de violência gosta de apanhar ou provoca o parceiro. Freqüentes são as manifestações nesse sentido, presentes não apenas no senso comum – reforçado por ditados populares e músicas – como entre os profissionais que lidam com este problema. Essa simplificação equivocada – para dizer o mínimo – não leva em conta os diversos e complexos fatores que podem levar à mulher a continuar no relacionamento. Em alguns casos, a mulher em situação de violência doméstica não possui condições para se sustentar por conta própria ou, ainda, sente-se eternamente comprometida aos votos do casamento. Isso sem considerar a ligação emocional que impede as mulheres agredidas de saírem facilmente de um relacionamento violento.
As mulheres agredidas que permanecem num relacionamento violento não podem ser consideradas culpadas ou cúmplices, nem mesmo é possível dizer que consentem com a violência. Para que isso fosse verdade, as mulheres precisariam ter, no âmbito doméstico, o mesmo poder que os homens, o que não acontece. Além disso,  as mulheres freqüentemente não ficam passivas à situação de violência, mas reagem a ela, passando a maior parte de seu tempo tentando evitá-la. Com freqüência, inclusive, elas carregam a esperança de conseguir transformar seu relacionamento.
A pressão exercida sobre as mulheres no sentido de responsabilizá-las pela “harmonia do lar” acaba por gerar, em diversas situações, uma profunda culpa, que as mantém presas a uma dinâmica relacional violenta. No livro “As mulheres do tráfico”, MV Bill e Celso Athayde entrevistam a mãe de um “falcão” que recentemente havia sido assassinado por causa de um desentendimento com um grande traficante. Em sua fala fica evidenciada a culpa que as mulheres sentem pelos desastres ocorridos com seus familiares, ainda que decorrentes de circunstâncias alheias ao espaço doméstico e incontroláveis por sua vontade:
Mãe: As mães têm que aconselhar muito os filhos, ta mais presente, sempre que tiver em casa conversar mais com o filho, dar mais conselho. Porque hoje eu vejo que lutei muito pouco pelo meu filho. Eu tinha que ter lutado mais. Muito mais. Tinha que ter dado um jeito de ter ficado mais com ele, para dar mais conselho pra ele. (…) Eu fui o pai e mãe deles. Hoje eu vejo que eu não lutei nada pelo Diogo, porque ele morreu criança, não deu tempo de eu fazer muita coisa por ele. Hoje vejo que de certa maneira eu ajudei a matar o meu filho, e isso é o que mais me dói.
Da mesma maneira como este mito tende a psicopatologizar as mulheres, um terceiro mito pretende fazer o mesmo em relação aos homens, afirmando-se que o agressor é uma pessoa louca ou doente. Essa abordagem acaba por desresponsabilizar o homem por seu comportamento violento, corroborando desculpas para justificar as agressões, desculpas estas aceitas não apenas por ele, como também por sua companheira.
Neste caminho, surgem os mitos que trazem o álcool como a principal causa da violência. De fato, os episódios mais graves, em geral, parecem acontecer quando o agressor está sob influência do álcool, mas este não pode ser considerado como elemento causal da violência. Percebe-se que, de modo geral, outras formas de violência, especialmente a moral e psicológica, acompanham o cotidiano do casal, para além dos episódios de violência física que ocorrem quando há bebida alcoólica envolvida.
Outro mito bastante presente nas explicações simplistas acerca da violência doméstica contra a mulher aponta este fenômeno como reflexo da cultura da pobreza. Não se pode esquecer que as classes média e alta possuem formas bastante próprias e exclusivas para exercer a violência de gênero, como o uso do patrimônio e a ameaça de empobrecimento. Além disso, nas classes altas, em geral, busca-se a todo custo resguardar o status social, encobrindo-se sistematicamente a violência. Nas classes baixas, pode-se dizer que as mulheres agredidas não teriam tanto a perder com a publicidade de sua situação, o que as levariam a denunciar com mais frequência.
Todos esses mitos precisam ser escancarados e superados, uma vez que, de forma velada, acabam influenciando o modo pelo qual a sociedade e os profissionais lidam com a violência doméstica contra a mulher. Certamente diversas são as omissões decorrentes destes estereótipos, que acabam se transformando em verdadeiros obstáculos para a solução das situações de conflito.




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