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sábado, 24 de setembro de 2011

ALGUNS PONTOS SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER





1 - O que é violência contra a mulher?

Na definição da Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994), a violência contra a mulher é “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.
“A violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres que conduziram à dominação e à discriminação contra as mulheres pelos homens e impedem o pleno avanço das mulheres...”
Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas, dezembro de 1993.
A Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993) reconheceu formalmente a violência contra as mulheres como uma violação aos direitos humanos. Desde então, os governos dos países-membros da ONU e as organizações da sociedade civil têm trabalhado para a eliminação desse tipo de violência, que já é reconhecido também como um grave problema de saúde pública.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), “as conseqüências do abuso são profundas, indo além da saúde e da felicidade individual e afetando o bem-estar de comunidades inteiras.”

2 - De onde vem a violência contra a mulher?

Ela acontece porque em nossa sociedade muita gente ainda acha que o melhor jeito de resolver um conflito é a violência e que os homens são mais fortes e superiores às mulheres. É assim que, muitas vezes, os maridos, namorados, pais, irmãos, chefes e outros homens acham que têm o direito de impor suas vontades às mulheres.
Embora muitas vezes o álcool, drogas ilegais e ciúmes sejam apontados como fatores que desencadeiam a violência contra a mulher, na raiz de tudo está a maneira como a sociedade dá mais valor ao papel masculino, o que por sua vez se reflete na forma de educar os meninos e as meninas. Enquanto os meninos são incentivados a valorizar a agressividade, a força física, a ação, a dominação e a satisfazer seus desejos, inclusive os sexuais, as meninas são valorizadas pela beleza, delicadeza, sedução, submissão, dependência, sentimentalismo, passividade e o cuidado com os outros.
3 - Por que muitas mulheres sofrem caladas?
Estima-se que mais da metade das mulheres agredidas sofram caladas e não peçam ajuda. Para elas é difícil dar um basta naquela situação. Muitas sentem vergonha ou dependem emocionalmente ou financeiramente do agressor; outras acham que “foi só daquela vez” ou que, no fundo, são elas as culpadas pela violência; outras não falam nada por causa dos filhos, porque têm medo de apanhar ainda mais ou porque não querem prejudicar o agressor, que pode ser preso ou condenado socialmente. E ainda tem também aquela idéia do “ruim com ele, pior sem ele”.
Muitas se sentem sozinhas, com medo e vergonha. Quando pedem ajuda, em geral, é para outra mulher da família, como a mãe ou irmã, ou então alguma amiga próxima, vizinha ou colega de trabalho. Já o número de mulheres que recorrem à polícia é ainda menor. Isso acontece principalmente no caso de ameaça com arma de fogo, depois de espancamentos com fraturas ou cortes e ameaças aos filhos.
4 - O que pode ser feito?
As mulheres que sofrem violência podem procurar qualquer delegacia, mas é preferível que elas vão às Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), também chamadas de Delegacias da Mulher (DDM). Há também os serviços que funcionam em hospitais e universidades e que oferecem atendimento médico, assistência psicossocial e orientação jurídica.
A mulher que sofreu violência pode ainda procurar ajuda nas Defensorias Públicas e Juizados Especiais, nos Conselhos Estaduais dos Direitos das Mulheres e em organizações de mulheres.

5 -  Como funciona a denúncia?

Se for registrar a ocorrência na delegacia, é importante contar tudo em detalhes e levar testemunhas, se houver, ou indicar o nome e endereço delas. Se a mulher achar que a sua vida ou a de seus familiares (filhos, pais etc.) está em risco, ela pode também procurar ajuda em serviços que mantêm casas-abrigo, que são moradias em local secreto onde a mulher e os filhos podem ficar afastados do agressor.
Dependendo do tipo de crime, a mulher pode precisar ou não de um advogado para entrar com uma ação na Justiça. Se ela não tiver dinheiro, o Estado pode nomear um advogado ou advogada para defendê-la.
Muitas vezes a mulher se arrepende e desiste de levar a ação adiante.
Em alguns casos, a mulher pode ainda pedir indenização pelos prejuízos sofridos. Para isso, ela deve procurar a Promotoria de Direitos Constitucionais e Reparação de Danos.
Violência contra idosos, crianças e mulheres negras - além das Delegacias da Mulher, a Delegacia de Proteção ao Idoso e o GRADI (Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância) também podem atender as mulheres que sofreram violência, sejam elas idosas ou não-brancas, homossexuais ou de qualquer outro grupo que é considerado uma “minoria”. No caso da violência contra meninas, pode-se recorrer também às Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente.
Tipos de violência
Violência contra a mulher - é qualquer conduta - ação ou omissão - de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher e que cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial. Essa violência pode acontecer tanto em espaços públicos como privados.
Violência de gênero - violência sofrida pelo fato de se ser mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino.
Violência doméstica - quando ocorre em casa, no ambiente doméstico, ou em uma relação de familiaridade, afetividade ou coabitação.
Violência familiar - violência que acontece dentro da família, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa).
Violência física - ação ou omissão que coloque em risco ou cause dano à integridade física de uma pessoa.
Violência institucional - tipo de violência motivada por desigualdades (de gênero, étnico-raciais, econômicas etc.) predominantes em diferentes sociedades. Essas desigualdades se formalizam e institucionalizam nas diferentes organizações privadas e aparelhos estatais, como também nos diferentes grupos que constituem essas sociedades.
Violência intrafamiliar/violência doméstica - açontece dentro de casa ou unidade doméstica e geralmente é praticada por um membro da família que viva com a vítima. As agressões domésticas incluem: abuso físico, sexual e psicológico, a negligência e o abandono.
Violência moral - ação destinada a caluniar, difamar ou injuriar a honra ou a reputação da mulher.
Violência patrimonial - ato de violência que implique dano, perda, subtração, destruição ou retenção de objetos, documentos pessoais, bens e valores.
Violência psicológica - ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal.
Violência sexual - acão que obriga uma pessoa a manter contato sexual, físico ou verbal, ou a participar de outras relações sexuais com uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule ou limite a vontade pessoal. Considera-se como violência sexual também o fato de o agressor obrigar a vítima a realizar alguns desses atos com terceiros.
Consta ainda do Código Penal Brasileiro: a violência sexual pode ser caracterizada de forma física, psicológica ou com ameaça, compreendendo o estupro, a tentativa de estupro, o atentado violento ao pudor e o ato obsceno.

6 - Fases da violência doméstica

As fases da situação de violência doméstica compõem um ciclo que pode se tornar vicioso, repetindo-se ao longo de meses ou anos.
Primeiro, vem a fase da tensão, que vai se acumulando e se manifestando por meio de atritos, cheios de insultos e ameaças, muitas vezes recíprocos. Em seguida, vem a fase da agressão, com a descarga descontrolada de toda aquela tensão acumulada. O agressor atinge a vítima com empurrões, socos e pontapés, ou às vezes usa objetos, como garrafa, pau, ferro e outros. Depois, é a vez da fase da reconciliação, em que o agressor pede perdão e promete mudar de comportamento, ou finge que não houve nada, mas fica mais carinhoso, bonzinho, traz presentes, fazendo a mulher acreditar que aquilo não vai mais voltar a acontecer.
É muito comum que esse ciclo se repita, com cada vez maior violência e intervalo menor entre as fases. A experiência mostra que, ou esse ciclo se repete indefinidamente, ou, pior, muitas vezes termina em tragédia, com uma lesão grave ou até o assassinato da mulher.
7 - Homens e a violência contra a mulher
A violência é muitas vezes considerada como uma manifestação tipicamente masculina, uma espécie de “instrumento para a resolução de conflitos”.
Os papéis ensinados desde a infância fazem com que meninos e meninas aprendam a lidar com a emoção de maneira diversa. Os meninos são ensinados a reprimir as manifestações de algumas formas de emoção, como amor, afeto e amizade, e estimulados a exprimir outras, como raiva, agressividade e ciúmes. Essas manifestações são tão aceitas que muitas vezes acabam representando uma licença para atos violentos.
Existem pesquisas que procuram explicar a relação entre masculinidade e violência através da biologia e da genética. Além da constituição física mais forte que a das mulheres, atribui-se a uma mutação genética a capacidade de manifestar extremos de brutalidade e até sadismo.
Outros estudos mostraram que, para alguns homens, ser cruel é sinônimo de virilidade, força, poder e status. “Para alguns, a prática de atos cruéis é a única forma de se impor como homem”, afirma a antropóloga Alba Zaluar, do Núcleo de Pesquisa das Violências na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Saiba mais sobre masculinidades e violência acessando os sites do Instituto Promundo, Instituto Noos e Instituto Papai.

8 - Violência e religião

A violência contra as mulheres é um fenômeno antiqüíssimo e considerado o crime encoberto mais praticado no mundo.
“Tem sido legalizado, através dos tempos, por leis religiosas e seculares, legitimado por diferentes culturas e por mitos da tradição oral ou escrita.”
Fonte: Católicas pelo Direito de Decidir, Violência contra as mulheres, 2003.
Em seus cursos sobre a relação violência e religião, o grupo Católicas pelo Direito de Decidir enfatiza que:
· A legitimidade que a religião tem dado à subordinação da mulher não é essencialmente divina.
· Temos o direito de questionar e não aceitar aqueles aprendizados teológicos e religiosos que fomentam o poderio do homem e a subordinação da mulher, sustentando assim a violência.
· Deve-se “suspeitar” das imagens sagradas que possam estar legitimando uma relação violenta e que possa estar motivando uma eterna discriminação e desigualdade entre homens e mulheres.
Saiba mais sobre a relação entre violência e religião acessando o site das Católicas pelo Direito de Decidir.

9 - Violência e saúde (física e psicológica)

A violência contra a mulher, além de ser uma questão política, cultural, policial e jurídica, é também, e principalmente, um caso de saúde pública. Muitas mulheres adoecem a partir de situações de violência em casa.
Muitas das mulheres que recorrem aos serviços de saúde, com reclamações de enxaquecas, gastrites, dores difusas e outros problemas, vivem situações de violência dentro de suas próprias casas.
A ligação entre a violência contra a mulher e a sua saúde tem se tornado cada vez mais evidente, embora a maioria das mulheres não relate que viveu ou vive em situação de violência doméstica. Por isso é extremamente importante que os/as profissionais de saúde sejam treinadas/os para identificar, atender e tratar as pacientes que se apresentam com sintomas que podem estar relacionados a abuso e agressão.

10 - Violência e saúde mental

A mulher não deve ser vista apenas como uma “vítima” da violência que foi provocada contra ela, mas como elemento integrante de uma relação com o agressor que ocorre em um contexto bastante complexo, que às vezes se transforma em uma espécie de jogo em que a “vítima” passa a ser “cúmplice”.
A mulher às vezes faz uma denúncia formal contra o agressor em uma delegacia especializada para, logo depois, retirar a queixa. Outras vezes, ela foge para uma casa-abrigo levando consigo as crianças por temer por suas vidas e, algum tempo depois, volta ao lar, para o convívio com o agressor. São situações que envolvem sentimentos, forças inconscientes, fantasias, traumas, desejos de construção e destruição, de vida e de morte.
Leia mais no artigo “Saúde mental e violência”, de Paula Francisquetti no site do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, em pdf.
Leia sobre as conseqüências psicológicas da violência doméstica e da violência sexual contra as mulheres.
Saiba mais sobre a relação entre violência e saúde em Violência contra a mulher e saúde no Brasil e em Violencia, género y salud.

11 - O custo econômico da violência doméstica

Segundo dados do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento:
· Um em cada 5 dias de falta ao trabalho no mundo é causado pela violência sofrida pelas mulheres dentro de suas casas.
· A cada 5 anos, a mulher perde 1 ano de vida saudável se ela sofre violência doméstica.
· O estupro e a violência doméstica são causas importantes de incapacidade e morte de mulheres em idade produtiva.
· Na América Latina e Caribe, a violência doméstica atinge entre 25% a 50% das mulheres.
· Uma mulher que sofre violência doméstica geralmente ganha menos do que aquela que não vive em situação de violência.
· No Canadá, um estudo estimou que os custos da violência contra as mulheres superam 1 bilhão de dólares canadenses por ano em serviços, incluindo polícia, sistema de justiça criminal, aconselhamento e capacitação.
· Nos Estados Unidos, um levantamento estimou o custo com a violência contra as mulheres entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões ao ano.
· Segundo o Banco Mundial, nos países em desenvolvimento, estima-se que entre 5% a 16% de anos de vida saudável são perdidos pelas mulheres em idade reprodutiva como resultado da violência doméstica.
· Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento estimou que o custo total da violência doméstica oscila entre 1,6% e 2% do PIB de um país.

12 - Violência sexual e DSTs/contracepção de emergência / Cuidados após a violência sexual

A violência sexual expõe as mulheres e meninas ao risco de contrair DSTs (doenças sexualmente transmissíveis) e de engravidar.
A violência e as ameaças à violência limitam a capacidade de negociar o sexo seguro. Além disso, estudos mostraram que a violência sexual na infância pode contribuir para aumentar as chances de um comportamento sexual de risco na adolescência e vida adulta.
Outra questão importante é que a revelação do status sorológico (estar com o HIV) para o parceiro ou outras pessoas também pode aumentar o risco de sofrer violência.
Após a violência sexual a mulher (ou menina) pode contrair DSTs, como HIV/AIDS, ou engravidar. Para prevenir essas ocorrências, o Ministério da Saúde emitiu uma Norma Técnica (disponível no site do Cfemea, em pdf) para orientar os serviços de saúde sobre como atender as vítimas de violência sexual.
Mas, se mesmo assim ocorrer a gravidez, a mulher pode recorrer a um serviço de aborto previsto em lei em hospital público. É um direito incluído no Código Penal (artigo 128) e regulamentado pelo Ministério da Saúde.

13 - Assédio sexual

O assédio sexual é um crime que acontece em uma relação de trabalho, quando alguém, por palavras ou atos com sentido sexual, incomoda uma pessoa usando o poder que tem por ser patrão, chefe, colega ou cliente.
Segundo o Código Penal - artigo 216-A, incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001 - o crime de assédio sexual prevê pena de detenção, de 1 a 2 anos.


14 - Tráfico e exploração sexual de mulheres

No Brasil, a maioria das vítimas do tráfico de seres humanos são mulheres, que abastecem as redes internacionais de prostituição.
Em 2002, a Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial (Pestraf) identificou que as vítimas brasileiras das redes internacionais de tráfico de seres humanos são, em sua maioria, adultas. Elas saem principalmente das cidades litorâneas (Rio de Janeiro, Vitória, Salvador, Recife e Fortaleza), mas há também casos nos estados de Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Pará. Os destinos principais são a Europa (com destaque para a Itália, Espanha e Portugal) e América Latina (Paraguai, Suriname, Venezuela e Republica Dominicana).
A Pestraf foi coordenada pela professora Lúcia Leal, da Universidade de Brasília (UnB), e serviu de ponto de partida para o trabalho pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional realizado em 2003 e 2004.
Mais informações: traficosereshumanos@mj.gov.brEste endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo.

15 - Abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes


O número de denúncias aumentou bastante nos últimos anos, devido a uma das principais ações de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes: a divulgação do disque-denúncia (0800-99-0500), número do Sistema Nacional de Combate à Exploração Sexual Infanto-Juvenil, mantido pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia <http://www.abrapia.org.br>).
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 16 - Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil

Criado com o objetivo de implementar um conjunto articulado de ações e metas para assegurar a proteção integral à criança e ao adolescente em situação de risco de violência sexual, esse Plano aponta mecanismos e diretrizes para a viabilização da política de atendimento estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Para o acompanhamento da implantação e implementação das ações do Plano Nacional, foi criado o Fórum Nacional pelo Fim da Violência Sexual de Crianças e Adolescentes, que reúne organizações do governo e da sociedade que atuam na prevenção e no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes.
Mais informações com o Cecria - Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes.

17 - Violência contra as mulheres negras e indígenas

No Brasil, as mulheres negras e indígenas carregam uma pesada herança histórica de abuso e violência sexual, tendo sido por séculos tratadas como máquinas de trabalho e sexo, sem os direitos humanos básicos.
Hoje, as mulheres negras e indígenas sofrem uma dupla discriminação - a de gênero e a racial - acrescida de uma terceira, a de classe, por serem em sua maioria mulheres pobres.
Todos esses fatores aumentam a vulnerabilidade dessas mulheres, que muitas vezes enfrentam a violência não apenas fora, mas também dentro de suas casas.

18 - Violência contra as lésbicas

O fato de ser lésbica torna as mulheres homossexuais ainda mais vulneráveis às diversas formas de violências cometidas contra as mulheres.
“As jovens que se descobrem lésbicas, e que vivem com seus pais, são as que mais sofrem violência. A família reprova a lesbianidade da filha e procura impor a heterossexualidade como normalização da prática sexual do indivíduo. Por serem destituídas de qualquer poder, os pais buscam sujeitar e controlar o corpo das filhas lésbicas, lançando mão de diferentes formas de violência, como os maus-tratos físicos e psicológicos. E não faltam acusações, ameaças e, inclusive, a expulsão de casa. As ocorrências de violência sempre têm o sentido de dominação: é o exercício do poder, utilizado como ferramenta de ensino, punição e controle.”
Fonte: Marisa FernandesEste endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo. , “Violência contra as lésbicas”, Maria, Maria, nº 0.
Mais informações no site do Um Outro Olhar.

19 - Violência contra as mulheres idosas

A discriminação contra a mulher começa na infância e vai até a velhice. Em alguns casos, começa até mesmo antes do nascimento, na seleção do sexo do embrião.
No caso da violência doméstica contra os idosos, a imensa maioria das vítimas são mulheres. Segundo Maria Antonia Gigliotti, aos 77 anos, presidente do Conselho Municipal do Idoso da cidade de São Paulo, isso “tem a ver com a lógica do sistema patriarcal, que considera que a mulher vale menos do que o homem, não importa a idade que ela tenha. Também conta o fator financeiro: as mulheres idosas são normalmente bem mais pobres do que os homens idosos”.
Fonte: Unifem, Maria, Maria nº 0.

A VIOLENCIA SIMBÓLICA, A VIOLENCIA DOMÉSTICA E SEUS MITOS


Violência simbolica
Não há novidade a menção de que as mulheres que sofrem de violência das mais diversas maneiras são rotuladas e estigmatizadas por alguns, se não a sua maioria, membros da comunidade. O entendimento discriminador é que estar nestas condições é uma escolha pessoal, que se caso assim a mulher o desejasse poderia deixar de sofrer, nas “mãos” do seu agressor. Certas expressões pejorativas como: “apanha porque quer” demonstra o “machismo” e a indiferença que se dá a violência doméstica. É preocupante, pois se sabe que nesta relação que além de estar no imaginário das pessoas o amor associado a submissão do sexo feminino, verifica-se na sua concretude uma das piores violências enraizadas nas relações de dominação masculina: a violência simbólica.
Também sempre vi na dominação masculina, e no modo como é imposta e vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo que eu chamo de violência simbólica, violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento.

A dominação masculina é vista como um habitus aceito por todos os integrantes do campo social como algo natural, inclusive a mulher acaba reconhecendo essa superioridade, mas a entende normal. Essa visão de normalidade que se organiza nas diferenças de gênero, masculino e feminino, instituindo o que cabe ao homem e aquilo que pertence a mulher, fazem com que os dominados compactuem com essa sutil violência, construindo-se dois mundos sociais hierarquizados.

A violência simbólica se institui por intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para se pensar, ou melhor, para pensar sua relação com ele, mais que de instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não sendo mais que a forma incorporada da relação de dominação, fazem essa relação ser vista como natural; ou, em outros termos, quando os esquemas que ele põe em ação para se ver e se avaliar, ou para ver e avaliar os dominantes (elevado/baixo, masculino/feminino, branco/negro etc.), resultam da incorporação de classificações, assim naturalizadas, de que seu ser social é produto.

Mas quando se fala nesse papel de aceitação e reconhecimento adotado pela mulher, não se está querendo minimizar a ação da violência física, esquecendo, que “há mulheres espancadas, violentadas, exploradas”, ou na pior das hipóteses, centrar-se nessa idéia para “tentar desculpar os homens por essa forma de violência”. Dessa forma, tem-se que entender “simbólico” com o contrário de real, supondo-se que a violência simbólica é “meramente espiritual e, indiscutivelmente, sem efeitos reais”.

Entretanto, os efeitos desse tipo de dominação se exercem através da percepção e da avaliação do que constituem o habitus, assim, a lógica da dominação masculina e da submissão feminina, tornam-se espontâneas e extorquidas ao mesmo tempo, podendo ser compreendida, somente permanecendo- se atento aos efeitos duradouros que essa ordem social acaba exercendo nas mulheres e nos homens, harmônicas nessa invisível imposição.

Observa-se que as condições sociais que reproduzem essas tendências, fazem com que os dominados adotem o ponto de vista dos dominantes, efetivando-se alheio a vontade, demonstrando um poder também simbólico nas suas manifestações. Verifica-se que a dominação só se perpetua através dessa cumplicidade e que as mulheres acabam sendo excluídas do sistema social. Mas também são reprodutores dessas exclusões sociais a própria família, a escola, a igreja, na divisão do trabalho, nas disposições ditas femininas e masculinas.


É, sem dúvida, no encontro com as “expectativas objetivas” que estão inscritas, sobretudo implicitamente, nas posições oferecidas às mulheres pela estrutura, ainda fortemente sexuada, da divisão de trabalho, que as disposições ditas “femininas”, inculcadas pela família e por toda a ordem social, podem se realizar, ou mesmo se expandir, e se ver, no mesmo ato, recompensadas, contribuindo assim para reforçar a dicotomia sexual fundamental, tanto nos cargos, que parecem exigir a submissão e a necessidade de segurança, quanto em seus ocupantes, identificados com posições nas quais, encantados ou alienados, eles simultaneamente se encontram e se perdem.

quarta-feira, 14 de julho de 2010


Os mitos e obstáculos no enfrentamento da violência doméstica contra a mulher



Por Mayra Cotta
Há diversos mitos e obstáculos que devem ser superados no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo necessário, para tanto, identificá-los e enfrentá-los. Apenas dessa forma, abre-se o caminho para a compreensão da complexidade do tema, possibilitando o entendimento das dificuldades encaradas por uma mulher em situação de violência doméstica e familiar, dificuldades estas que, muitas vezes, colocam a sua própria saúde física e psicológica em risco.
Na tentativa de se encontrar relações causais para a violência doméstica, muitas explicações simplistas foram sendo construídas, desconsiderando-se a complexidade do fenômeno. E, assim, surgiram os mitos, que constituem verdadeiros obstáculos ao enfrentamento da questão. O primeiro mito que se pode apontar é que a violência doméstica afeta uma pequena parcela da população. Ao contrário, diversas são as pesquisas que apontam para as dimensões alarmantes que este problema social possui, demonstrando que uma parcela considerável da população feminina já sofreu agressão física ou sexual por um parceiro íntimo na vida.
O segundo mito que cerca a violência doméstica, e talvez o mais insultante, diz que mulher sem situação de violência gosta de apanhar ou provoca o parceiro. Freqüentes são as manifestações nesse sentido, presentes não apenas no senso comum – reforçado por ditados populares e músicas – como entre os profissionais que lidam com este problema. Essa simplificação equivocada – para dizer o mínimo – não leva em conta os diversos e complexos fatores que podem levar à mulher a continuar no relacionamento. Em alguns casos, a mulher em situação de violência doméstica não possui condições para se sustentar por conta própria ou, ainda, sente-se eternamente comprometida aos votos do casamento. Isso sem considerar a ligação emocional que impede as mulheres agredidas de saírem facilmente de um relacionamento violento.
As mulheres agredidas que permanecem num relacionamento violento não podem ser consideradas culpadas ou cúmplices, nem mesmo é possível dizer que consentem com a violência. Para que isso fosse verdade, as mulheres precisariam ter, no âmbito doméstico, o mesmo poder que os homens, o que não acontece. Além disso,  as mulheres freqüentemente não ficam passivas à situação de violência, mas reagem a ela, passando a maior parte de seu tempo tentando evitá-la. Com freqüência, inclusive, elas carregam a esperança de conseguir transformar seu relacionamento.
A pressão exercida sobre as mulheres no sentido de responsabilizá-las pela “harmonia do lar” acaba por gerar, em diversas situações, uma profunda culpa, que as mantém presas a uma dinâmica relacional violenta. No livro “As mulheres do tráfico”, MV Bill e Celso Athayde entrevistam a mãe de um “falcão” que recentemente havia sido assassinado por causa de um desentendimento com um grande traficante. Em sua fala fica evidenciada a culpa que as mulheres sentem pelos desastres ocorridos com seus familiares, ainda que decorrentes de circunstâncias alheias ao espaço doméstico e incontroláveis por sua vontade:
Mãe: As mães têm que aconselhar muito os filhos, ta mais presente, sempre que tiver em casa conversar mais com o filho, dar mais conselho. Porque hoje eu vejo que lutei muito pouco pelo meu filho. Eu tinha que ter lutado mais. Muito mais. Tinha que ter dado um jeito de ter ficado mais com ele, para dar mais conselho pra ele. (…) Eu fui o pai e mãe deles. Hoje eu vejo que eu não lutei nada pelo Diogo, porque ele morreu criança, não deu tempo de eu fazer muita coisa por ele. Hoje vejo que de certa maneira eu ajudei a matar o meu filho, e isso é o que mais me dói.
Da mesma maneira como este mito tende a psicopatologizar as mulheres, um terceiro mito pretende fazer o mesmo em relação aos homens, afirmando-se que o agressor é uma pessoa louca ou doente. Essa abordagem acaba por desresponsabilizar o homem por seu comportamento violento, corroborando desculpas para justificar as agressões, desculpas estas aceitas não apenas por ele, como também por sua companheira.
Neste caminho, surgem os mitos que trazem o álcool como a principal causa da violência. De fato, os episódios mais graves, em geral, parecem acontecer quando o agressor está sob influência do álcool, mas este não pode ser considerado como elemento causal da violência. Percebe-se que, de modo geral, outras formas de violência, especialmente a moral e psicológica, acompanham o cotidiano do casal, para além dos episódios de violência física que ocorrem quando há bebida alcoólica envolvida.
Outro mito bastante presente nas explicações simplistas acerca da violência doméstica contra a mulher aponta este fenômeno como reflexo da cultura da pobreza. Não se pode esquecer que as classes média e alta possuem formas bastante próprias e exclusivas para exercer a violência de gênero, como o uso do patrimônio e a ameaça de empobrecimento. Além disso, nas classes altas, em geral, busca-se a todo custo resguardar o status social, encobrindo-se sistematicamente a violência. Nas classes baixas, pode-se dizer que as mulheres agredidas não teriam tanto a perder com a publicidade de sua situação, o que as levariam a denunciar com mais frequência.
Todos esses mitos precisam ser escancarados e superados, uma vez que, de forma velada, acabam influenciando o modo pelo qual a sociedade e os profissionais lidam com a violência doméstica contra a mulher. Certamente diversas são as omissões decorrentes destes estereótipos, que acabam se transformando em verdadeiros obstáculos para a solução das situações de conflito.