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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Do voto feminino à Lei das Cotas: a difícil inserção das mulheres nas democracias representativas

Campanha pelo voto das mulheres 
                                                                                          
O impacto proporcionado pela ação política do movimento feminista é responsável pela gradativa mudança de mentalidade que vem se processando na sociedade, juntamente com a implementação de políticas públicas que têm contribuído para a transformação da condição social das mulheres nas últimas décadas. Embora este fato seja observado por diversos autores, existem setores que continuam como “santuários que fogem às mulheres”: o religioso, o militar e o político, como três ordens da Idade Média, constituem segundo Perrot (1998) espaços que continuam quase inacessíveis às mulheres, haja vista a resistência histórica de integrar mulheres neste “redutos”, no qual os homens dominavam e ainda dominam plenamente.
Ao analisar a presença das mulheres no legislativo em diferentes países da América Latina, do Caribe, dos Estados Unidos e da África pudemos perceber que a representação feminina ainda é bastante desigual. Mesmo em países que passaram por processos revolucionários recentes como foi o caso de Moçambique a representação das mulheres reflete uma iniqüidade de gênero. O Quadro reflete os dados que reforçam a desigualdade.
Quadro I Representação Feminina no Legislativo em diferentes países

PAÍS
DEPUTADAS
SENADORAS
Argentina
27 %
       3 %
México
16 %
     16 %
Colômbia
12 %
     13 %
Chile
11 %
       4 %
Uruguai
10 %
     10 %
Brasil
8,2 %
     12 %
Estados Unidos
14  %
     13 %
Canadá
21 %
     35 %
Moçambique
27 %
        -

No Brasil, a história da participação da mulher no parlamento, tem como marco inicial à conquista do direito ao voto que se deu em 1932. Essa conquista é resultado da luta contínua do movimento sufragista, que emergiu, no Brasil em 1919, culminou com a conquista do direito ao voto pelas mulheres, mas, não foi suficiente para que estes contingentes humanos superassem o processo de exclusão.
Até a década de 1970 esse quadro de exclusão não sofreu muitas modificações. A partir do final da década de 1980, a situação se modifica, em virtude do crescimento industrial, que contribuiu para um aumento significativo da participação feminina no mercado de trabalho, e, na crescente inserção das mesmas, nos cursos superiores. A isto se aliou o processo de redemocratização do País que se instaurou nesse período. Esses fatos contribuem, para ampliar a participação da mulher nas esferas de poder, encorajando-as, também, a organizarem-se politicamente, o que revela a importância dos movimentos de mulheres nesse processo.
O momento da elaboração da nova constituição brasileira foi fundamental, para que as mulheres, a partir de sua atuação conquistassem direitos legais e obtivesse legitimidade para suas reivindicações, inclusive na esfera da política institucional. Nesse período foram criados os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais da Condição Feminina, as delegacias da mulher, os coletivos de mulheres nos partidos e sindicatos, a implementação da Lei das Cotas. Porém, essas instâncias de representação e reconhecimento político não determinaram um equilíbrio entre homens e mulheres em termos de representação no legislativo.
Um breve balanço sobre resultados eleitorais de 2002
Atualmente, as mulheres constituem 8,2% dos/as representantes responsáveis pela elaboração das leis nesse País. São 42 deputadas num universo de 515 deputados que compõem a Câmara Federal. Se considerarmos o pleito anterior de 1998, tínhamos  29 deputadas eleitas que representavam cerca de 5,6% do total de representantes na Câmara Federal, indicando um incremento na atual legislatura de 45 % quando comparada à eleição passada. Nas eleições de 1994 foram eleitas 26 deputadas, cujo índice situava-se no patamar de 5%. Percebe-se que a cada eleição o número de mulheres cresce, e se compararmos com as eleições de 1986 quando foram eleitas 16 deputadas para elaborar a carta constitucional em vigor, pode-se então considerar que tem diminuído o fosso existente entre os gêneros no que se refere a participação no legislativo. A desigualdade, entretanto, ainda permanece, quando se compara quantitativamente.
No que se refere ao Senado, por exemplo, estabeleceu-se a mesma relação desigual, das 81 cadeiras, apenas 10, são ocupadas por mulheres o que representa 12,3%. Para ilustrar melhor esses dados apresentamos nos quadro abaixo os quantitativos numéricos da representação feminina por Estado e partido.
 Caixa de texto: Quadro II - REPRESENTAÇÃO FEMININA NO SENADO FEDERAL 
 
Marina Silva                    AC                   PT 
Fátima Cleide                  RO                   PT 
Serys Marly                     MT                  PT 
Ana Júlia                          PA                   PT 
Patrícia Gomes                CE                    PPS 
Roseana Sarney               MA                   PFL 
Idely Salvati                     SC                   PT 
Lucia Vânia                      GO                  PSDB 
Heloisa Helena *              AL                   PT 
Maria do Carmo*              SE                   PFL 
* Essas duas senadoras foram eleitas nas eleições de 1998. (CFEMEA, 2002, p.6). 
 
 
 Nas análises sobre a representação feminina no Senado Federal (Quadro II) não se pode deixar de evidenciar o fato de que 60 % da bancada feminina eleita pertence ao Partido dos Trabalhadores, e 60 % das senadoras pertencem as regiões norte e nordeste do Brasil caracterizado por cientistas políticos como grandes redutos masculinos marcado pelo patriarcado - pelo caciquismo e pelas oligarquias dos partidos considerados conservadores. Por outro lado, percebe-se que em relação aos Estados de maior densidade populacional e economicamente mais desenvolvidos: SP, RJ, RS, MG, PR, não existe nenhuma representação feminina nessa instância de poder. A maioria das senadoras eleitas representa partidos considerados de esquerdatrazendo assim, elementos para novas análises de pesquisadores dessa área.
Na representação partidária, a bancada que mais elegeu mulheres na Câmara Federal a exemplo do que já ocorreu no Senado foi o PT. Das 42 deputadas eleitas, 14 pertencem aos quadros do Partido dos Trabalhadores. As outras 28 estão divididas entre o PFL e PSDB (cada um elegeu 6 deputadas), o PMDB e PC do B  também elegeram 4 deputadas cada um), o PSB e o PTB (elegeram 2 deputadas, cada) e o PDT, PSD, PST e PPB cada um desses partidos elegeu 1 deputada. Vale ressaltar o fraco desempenho do PPB que de 49 deputados eleitos nenhuma do sexo feminino.(Quadro III)
 Caixa de texto: Quadro III - REPRESENTAÇÃO  FEMININA NO CONCRESSO NACIONAL 
 LEGISLATURA 2003/2007 
 
ESTADOS                                        Nº DEPUTADAS ELEITAS 
Acre                                                                   1 
Amapá                                                               1 
Bahia                                                                  2 
Distrito Federal                                                   1 
Espírito Santo                                                    2 
Goiás                                                                 2 
Maranhão                                                          2 
Mato Grosso                                                      2 
Minas Gerais                                                     1 
Para                                                                   1 
Piauí                                                                  1 
Paraná                                                               1 
Paraíba                                                              2 
Rio de Janeiro                                                   6 
Rio Grande do Norte                                         2 
Rio Grande do Sul                                             4 
Rondônia                                                           1 
Roraima                                                             2 
Santa Catarina                                                   1 
São Paulo                                                          6 
Tocantis                                                             1 
TOTAL                                                           42 
 
 
 
 Os índices para as Assembléias Legislativas são um pouco mais elevados, porém, não é uma alteração substancial em relação à Câmara Federal. Das eleições de 1998 às de 2002 houve um aumento na ordem de 25, 5 % de deputadas estaduais. Hoje são 133 deputadas representando 12,5 % quando em 1998 eram 106 deputadas, que representava 10% dos integrantes. Dos Estados que elegeram a maior bancada feminina no legislativo destacam-se o Estado do Rio de Janeiro e São Paulo que elegeram 10 parlamentares, Maranhão, Ceará, Pará e Pernambuco elegeram 8 deputadas. No legislativo estadual os dados apontados pelo CFEMEA (2002) também indicam que estão filiados ao PT os maiores números de deputadas eleitas na atual legislatura.
Nas Câmaras Municipais o percentual é mais elevado, a presença feminina corresponde a 11,6 % do total de vereadores das eleitos em 2000. São nas câmaras municipais local onde se registram um maior incremento da participação das mulheres em espaços de poder. Em 1982 - pontua-se essa data, pois coincide com o início da “abertura política” do país, - o percentual de vereadoras correspondia a 3,5% do total. Em 1992, o índice situava-se na faixa dos 8%. Nas eleições de 1996, este percentual passa a corresponder a 11% do total de representantes nas câmaras municipais. Os números evidenciam um incremento na ordem de 300 % nos últimos vinte anos. Entretanto quando comparamos os dados, fica evidente a desigualdade já que são 7.001 vereadoras e 53.266 vereadores. Um exemplo dessa desigualdade é a Câmara Municipal de São Luís, Capital do Maranhão que elegeu apenas uma mulher vereadora.
Na Câmara Municipal de Araraquara por exemplo são 5 vereadoras num universo de 21 vereadores, quadro esse que se modificou substancialmente nas últimas eleições , uma vez que, as legislaturas de 92 e 96 apenas 2 vereadoras foram eleitas. Nos cargos da administração direta nesse municipio as mulheres estão a frente de 4 secretarias: Saúde, Educação, Assistência Social e Secretaria de Governo que me parece um número razoável, proporção semelhante ao número de mulheres representadas no ministério de Lula. Temos 5 (cinco) ministras que, se compararmos com governos anteriores representa um aumento significativo, entretanto quando analisamos por outros campos percebe-se que as distâncias e desigualdades na distribuição do poder no País é uma realidade que precisa ser superada.
A lei das cotas e a representação das mulheres no poder
O processo de implementação da política de cotas no Brasil é muito recente. Contudo, esta política vem dando, no mínimo, mais visibilidade à exclusão da mulher nos espaços políticos e às disparidades existentes no âmbito político, entre homens e mulheres. Por esta razão, elas vêm sendo tratadas como um tema central das discussões de gênero e política, sendo consideradas pelo movimento feminista como expressão e reconhecimento público alcançado pelas demandas femininas.
Existem muitos equívocos a respeito das cotas que precisam ser elucidados enfatiza Delgado (1996), por exemplo, a de que 30% de participação das mulheres não resolvem a desigualdade: a luta deve ser por 50%. Embora o movimento lute pela paridade, um percentual de 30% representa um ganho político se considerarmos a estrutura da sociedade e a relações patriarcais que perpassam toda a estrutura da mesma. Um outro grande equívoco é o de que a Lei das Cotas não garante que a mulher tenha real acesso ao poder. As Cotas não irão mudar as relações de poder à curto prazo, uma vez que ela representa um elemento que modifica a composição dos órgãos diretivos, traz novas idéias para o debate e propicia uma nova forma de aprendizagem do exercício do poder. Além disso, as cotas aguçam a participação feminina e tende a criar condições mais favoráveis a ampliação do número de mulheres nas direções de sindicatos, partidos, assembléias, câmaras etc, que por sua vez irão tornar mais visível seu cotidiano e os obstáculos à sua integração à vida política.
O que é preciso fazer para mudar essa realidade?
A história a cada dia desvenda a importância da participação das mulheres e de sua ação política nos processos revolucionários. Da Revolução Francesa e Americana à Revolução Industrial, da abolição da escravatura à ampliação dos direitos dos/as cidadãos/cidadãs, as mulheres foram força e presença em todos os processos revolucionários que mudaram as relações entre os homens e entre os gêneros.
No Brasil, a presença das mulheres nas lutas libertárias está sendo desvendada à medida que as pesquisas com enfoque de gênero trazem à tona novos sujeitos, antes invisíveis por uma ciência que não lhes reconhecia como tal. São reconhecidas e notórias as presenças de precursoras como Nísia Floresta, Isabel Dilan, Bertha Lutz, Gilka Machado, Leolinda Daltro, que foram lutadoras intransigentes dos direitos femininos, dentre os quais o direito ao voto.
A conquista do voto em 1932 não significou para as mulheres uma mudança substancial nos valores sociais então vigentes, uma vez que estas continuaram submetidas a uma estrutura patriarcal conservadora e a um modelo de cidadania que privilegiava a imagem pública como espaço masculino. As mulheres, pela trajetória como se inseriram na política, precisavam de um tempo maior para se adaptar à nova realidade. A insegurança, o desconhecimento das regras do mundo público, os condicionamentos culturais e psicológicos, as práticas partidárias excludentes, continuavam atuando sobre as mulheres, mantendo-as afastadas da estrutura formal do poder político.(FERREIRA, 2003).
As ações afirmativas (mais precisamente a lei de cotas) são formas positivas de reverter formalmente o quadro de desigualdade entre os gêneros e entre seres historicamente excluídos. A Lei 9.100/95 vem responder as reivindicações dos movimentos de mulheres, entretanto, sabe-se que, somente com uma ação conjunta das diversas organizações de mulheres, com os partidos políticos, e a partir de um projeto de educação política que tenha o gênero como recorte metodológico, será possível diminuir estas disparidades.
É certo que a Lei das Cotas não irá mudar esse quadro nas próximas eleições, entretanto, a legalidade permitirá uma maior ousadia das mulheres de adentrar num mundo antes interditado. O ato de permitir, o que antes foi negado de forma autoritária e irracional, pode ser também estimulante. A presença cada vez maior de mulheres nas Câmaras Municipais significa sua preocupação com os destinos da Cidade da qual elas estão mais próximas, mais receptivas e com maior poder de articulação para intervir dadas as suas relações familiares. Sua inserção em um espaço geográfico mais favorável, o deslocamento para exercer a vida pública é mais facilitado. Diferente das Assembléias Legislativas e Câmara Federal, que significa muitas vezes dificuldade de conciliar a vida pública com a vida privada, dada as cobranças que em geral são feitas às mulheres, ao contrário dos homens que são mais estimulados, uma vez que o poder lhe é visto como algo natural, intrínseco a sua condição de homem.
Assim, nas minhas análises, aponto que a Lei das Cotas que por se só já demonstra um fato político que não foi dado de “mão beijada”, foi uma conquista, fruto de uma história, na qual as mulheres foram sujeito. As mudanças que elas irão proporcionar no cenário político já são previsíveis pelo menos num ponto: maior visibilidade para as questões daquelas que são a “metade encabulada da humanidade” (parafraseando a Profa. Lucila Scavone), que durante séculos foram impedidas de exercer o poder e dirigir seus destinos, quiçá os destinos das Nações.
                                       http://www.espacoacademico.com.br/037/37cferreira.htm

Desigualdades de gênero e cor no Brasil

         
Neste texto, Kaizô Beltrão e Moema Teixeira nos contam duas histórias opostas, que ocorreram no Brasil nos últimos cinqüenta anos – a transformação profunda da posição da mulher no mundo do estudo e das profissões, e o difícil e ainda lento processo de eliminação das diferenças entre brancos e não brancos.
Parte da primeira história está contada no gráfico 1, baseado em dados da PNAD de 2003. A educação de homens e mulheres no Brasil nunca foi muito diferente, em termos de anos de escolaridade, e vem crescendo de geração a geração, com quatro anos de escolaridade media para os que tem hoje 60 anos, e duas vezes mais para que os que hoje tem 20.
Quarenta anos atrás, poucos no Brasil terminavam o ensino médio e entravam nas universidades, e eram quase todos homens. Naquele tempo, a educação das mulheres não ia além das escolas secundarias, aonde se preparavam para o casamento, ou das escolas normais, de formação de professoras. Hoje, a maioria dos estudantes de ensino superior são mulheres, e o nível educacional das mulheres de 50 anos e menos já maior
do que o dos homens. Além disto, todos os indicadores educacionais mostram que as mulheres permanecem mais tempo na escola, e têm desempenho melhor. As mulheres já invadem também as antigas profissões masculinas, como a engenharia, a medicina e o direito. Esta entrada das mulheres no mundo das profissões está relacionada às transformações da família tradicional, ao ingresso das mulheres no mercado de trabalho, e à grande redução da taxa de fecundidade ocorrida no país, que deu mais condições para que as mulheres deixassem de se dedicar exclusivamente à vida doméstica. Nem tudo são flores. Ainda existem profissões predominantemente femininas, como o magistério, o serviço social ou a enfermagem, de rendimentos relativamente baixos, e que atraem sobretudo mulheres de famílias mais pobres. Em praticamente todas as carreiras, as mulheres ocupam menos posições de destaque do que os homens, e seus salários são também menores. Mas a grande preocupação no Brasil, em termos de educação, não é a situação das mulheres, como ocorre em muitos paises da Ásia, África e da região andina, e sim com a situação dos homens, e especialmente dos jovens que abandonam a escola aprendendo pouco, e com possibilidades cada vez menores de conseguir se integrar ao mercado de trabalho.
A segunda história está contada no gráfico 2. Sempre foram profundas, no Brasil, as diferenças entre brancos e não brancos. Todos melhoraram sua escolaridade nas últimas décadas, mas só muito recentemente a diferença começou a se reduzir. Estas diferenças em escolaridade afetam a chance de pessoas não brancas de ingressar no ensino superior, e conseguir posições de trabalho adequadas nas profissões mais prestigiadas e bem pagas. Na PNAD 2003, os brancos eram 49.5% da população, mas ocupavam 73.8% das matrículas no ensino superior de graduação, e 80% dos programas de mestrado e doutorado. Os brancos que se formam nas universidades trabalham, sobretudo, em atividades de gerência em empresas, como professores, ou como advogados ou médicos. Pardos e negros também se concentram nestas profissões, com o predomínio das atividades de magistério, seguidas de atividades administrativas de diferentes tipos. Existem no entanto profissões que, embora pequenas, são predominantemente ocupadas por pardos e negros: são sobretudo técnicas, ou de trabalhadores especializados na indústria e nos serviços.
Uma explicação possível para estas histórias tão diferentes é que, no Brasil, as mulheres sempre compartilharam a posição social dos homens com quem convivem, enquanto que brancos e não brancos sempre viveram em mundos socialmente distantes. Os especialistas discutem se estas diferenças se devem à herança da escravatura, ou a diferença de classes, ou a preconceitos e barreiras de raça. O mais provável é que seja tudo isto ao mesmo tempo. Os dados mostram que, com o tempo, todos melhoram, e os não brancos de hoje tem a educação que tinham os brancos 20 anos atrás. Mas é um ritmo demasiado lento, e explica muito da desigualdade de oportunidades que é a marca da sociedade brasileira, e que precisamos aprender rapidamente a superar.