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domingo, 24 de julho de 2011

IGUALDADE E DIVERSIDADE

        "Não é o homem superior à mulher, nem a mulher superior ao homem. Mas não é certo dizer que ambos são iguais em tudo. A realidade é maior e mais bonita, a mulher possui qualidades especificamente femininas que, quando se unem as qualidades especificamente masculinas, permitem conseguir resultados maiores, mais expressivos e mais ricos que poderiam se alcançar, quando cada um dos sexos trabalham separadamente. "
(D. Helder Câmara)







HOMENS E MULHERES -  A IGUALDADE DA DIVERSIDADE 


Esse tema da igualdade na diversidade, que estamos tratando hoje, é um tema inesgotável. Já venho trabalhando há um certo tempo nele mas cada vez que retomo, tenho a sensação de que ainda há muito por conhecer. E uma das razões pelas quais isto acontece é porque, nesta etapa de mutação da sociedade, esta temática também vem mudando rapidamente.
Estamos vivendo um processo de transformação. Na realidade, a sociedade está sempre em movimento, mas nesse momento a gente pode dizer que a humanidade vive um ponto de mutação. Aliás, este é o título de um livro muito conhecido[2] que fala da transformação profunda que vem se dando atualmente em vários níveis; neste contexto, a questão da relação entre homens e mulheres também vem sofrendo uma mudança significativa.
Vocês sabem que essa relação em cada fase da história e em cada cultura assume formas específicas: a sexualidade tem sido vivida de formas diferentes pelos seres humanos em etapas diferenciadas.
Se quisermos fazer um recorrido histórico bem sintético, podemos lembrar que na fase ancestral, na fase da pré-história, homens e mulheres viviam relações mais igualitárias e mais harmoniosas. Na realidade, a gente conhece pouca coisa desta fase - não existiam documentos escritos - mas descobertas arqueológicas, realizadas sobretudo pelas feministas que vêm trabalhando essa etapa, indicam que essa relação de igualdade era mais fácil entre homens e mulheres. Nesse período, descobriu-se a importância da mulher, porque era ela a responsável pela transmissão da vida; as primeiras imagens conhecidas dos seres humanos, são aquelas estatuetas pequenininhas, estatuetas de mulheres, de formas arredondadas, representando as deusas da fertilidade. Essa é uma imagem bonita para imaginar como é que a gente pode repensar uma maior igualdade nas relações entre homem e mulher, essa igualdade que, como vocês sabem, se perdeu depois.
A partir do período neolítico as relações se impõem como relações de hegemonia do masculino sobre o feminino. O que chamamos sistema patriarcal vem desde este período até hoje: só mais recentemente começou a se transformar.
Quando digo hoje, estou pensando especificamente no século XX. Claro que este processo começa um pouco antes, nos séculos XVIII e XIX. Mas no século XX há realmente uma mudança muito grande nas relações entre homens e mulheres, na medida em que as mulheres entram massivamente na esfera pública e começam a tomar consciência de que a situação de subalternidade em que viviam antes, não era uma situação justa para as mulheres, mas também não era para os homens. O que se quer com esse movimento, de maior igualdade entre as relações de gênero, não é apenas resolver o problema da mulher, mas o problema da relação entre homens e mulheres. Isso é interessante de sublinhar, porque no começo o movimento se preocupava quase que exclusivamente com “a libertação da mulher”, com “a situação da mulher”, falava-se muito nessa questão.
A partir da própria experiência do movimento foi se criando um novo conceito: o conceito de “gênero”, mostrando que não se trata apenas de libertar a mulher, mas de mudar essa relação de subordinação da mulher frente ao homem e, portanto, modificar também a situação do homem. É claro que se os dois estão em relação, de uma determinada forma, se é mudado o pólo dominado, o pólo dominante também se inverte. Isto não quer dizer uma inversão da dominação, pelo contrário, o que se quer é superar a dominação e estabelecer novas formas de relação.
Nesse sentido, o lema da Novamerica neste ano é extremamente rico, porque coloca mulheres e homens em parceria, ou seja, mostra que há um esforço a ser feito pelas mulheres, mas há também um esforço a ser feito pelos homens. E é nesse diálogo, entre uns e outros, que se podem criar novas relações de gênero.
Essa tomada de consciência e essa ruptura da ordem patriarcal foi realmente uma revolução social e cultural, talvez uma das revoluções mais profundas do século XX. Só que uma mudança assim não se faz de uma hora para outra: é indispensável um certo tempo – talvez mais longo do que o que poderíamos desejar – para que um sistema, que vinha sendo afirmado sem contestações durante séculos, consiga se transformar.
Aqui é importante um esclarecimento: quando falamos de subordinação, estamos falando de uma forma geral. Isso não quer dizer que as mulheres não tivessem um relativo poder em certas áreas e nem quer dizer também que a dominação tenha sido sempre igual em todos os tempos e lugares. Se fosse uma coisa tão monolítica seria difícil mudar. Ainda bem que sempre houve várias brechas, espaços diversos nos quais a mulher já vinha ocupando uma posição de poder. É por aí que passam as potencialidades de mudança, que vêm acontecendo.
Mas certamente este processo ainda está longe de terminar: há muito o que fazer pela frente. Não se supera de um momento para outro essa situação de desigualdade de gênero, que é a mais antiga das dominações. E quando atravessamos por um processo de transição, como este, é importante olhar para frente e ver tudo o que há que fazer, mas também olhar para trás e aprender um pouco com a própria experiência, com tudo que já se conseguiu, com tudo que se acertou, com tudo que se errou. Aí se colocam vários desafios e talvez o primeiro seja exatamente o desafio da igualdade.



A DIFERENÇA NO MERCADO DE TRABALHO.


Dos cerca de 3 milhões de estudantes matriculados no ensino superior, 56% são mulheres. No entanto, as mulheres representam 42% da população economicamente ativa no Brasil.

Sete em cada dez novas vagas no mercado de trabalho são preenchidas por mulheres. Porém, elas ganham em média 60% do salário deles.

Um em cada quatro lares é chefiado exclusivamente por mulheres
O índice de desemprego entre mulheres é 12,7%, enquanto entre os homens é de 5,9%.

33 % das mulheres que trabalham ganham mais do que o marido. No entanto, apenas 26% são consideradas cabeça de casal, ou seja, coordenam as despesas da casa e administram o orçamento familiar.

Apenas 6% dos cargos de chefia das 500 maiores empresas brasileiras são ocupados por mulheres. Apesar dos avanços, a participação das mulheres em altos cargos corporativos só será igual à dos homens daqui a 470 anos.

O tempo médio de permanência de executivos na empresa é de 10 anos para eles e de 5,4 anos para elas.

Para 52% das mulheres, estereótipos e preconceitos são os principais empecilhos para o seu avanço no mercado de trabalho. Para 85% dos homens, a falta de experiência é o principal obstáculo para as mulheres no mercado de trabalho.

Ø 26% das mulheres bem-sucedidas no mercado de trabalho afirmam que o marido tem ciúme de seu sucesso profissional. Seis em cada dez mulheres bem-sucedidas no mercado de trabalho e divorciadas acreditam que a sua carreira teve peso significativo no divórcio.

Fonte: Revista Veja, Especial HOMEM, Outubro de 2003.



IGUALDADE, EQUIDADE E "EQUILIBRAÇÃO”

Só se pode tomar consciência dessa situação de subordinação quando se afirma o princípio da igualdade. E isto aconteceu a partir do final do século XVIII, quando a Revolução Francesa proclamou os valores de ”liberdade, igualdade e fraternidade.” Estes se tornaram fundamentais, sobretudo nos séculos XIX e XX, enquanto valores da modernidade e se traduzem hoje em diversas áreas. Assim, no que se refere à igualdade, sua consciência não se dá apenas em relação ao gênero, mas também em relação a qualquer tipo de dominação ou de estrutura de subordinação que existe dentro da sociedade. É sempre importante lembrar que o contexto social em que vivemos é marcado por profundas desigualdades sociais, incluindo, além da desigualdade de gênero, também desigualdade de classe, desigualdade de raça e etnia, desigualdade de geração. Portanto, quando a gente luta contra a subordinação de gênero, isso implica também lutar contra todas as outras formas de opressão. É preciso que haja uma integração destas diversas lutas.
No caso das relações de gênero, o princípio da igualdade se concretiza exatamente para romper com a subordinação que existia antes. Com isto, entretanto, não se pretende chegar a uma posição totalmente uniforme na qual se rompam todas as diferenças, na qual se chegue a uma massa completamente homogênea. Pelo contrário, é muito importante manter a diversidade, ou seja, que homens e mulheres se reconheçam como tais.
O grande desafio é esse: manter essa tensão entre a igualdade e a diversidade. E é esse exatamente o dilema da nossa luta: lutar pela igualdade com os homens ou reivindicar a diferença como mulheres? Talvez, mais do que dizer “ou”, a gente teria que dizer “e”; quer dizer, ao mesmo tempo lutar pela igualdade e reivindicar a diferença. É uma luta bastante complicada.
Joan Scott, uma estudiosa do tema de gênero, diz o seguinte: “Na medida em que homens e mulheres são iguais enquanto seres humanos e diferentes quanto aos sexos, não se pode optar exclusivamente e de uma vez por todas, pela igualdade ou pela diferença”. Nesse sentido é que a gente descobre um conceito muito rico que é o conceito de eqüidade, que quer dizer exatamente isso: manter a igualdade na diferença ou manter a diversidade na igualdade.
Nessa perspectiva, há uma série de experiências que vão se fazendo, indicando formas diversas de equilibrar e de viver essa tensão permanente. Quando falo em equilíbrio, dá a sensação de ser uma coisa estática. Não é! De jeito nenhum! Pelo contrário, é um equilíbrio dinâmico, que está sempre em construção. Tenho uma amiga, Maria José Santos, que trabalha com consciência corporal e com a questão do movimento e que gosta de usar o termo “equilibração”. Acho interessante pensar desta forma: o equilíbrio se dá exatamente na ação e ele está sempre se criando e recriando.
Falar de eqüidade de gênero implica afirmar a igualdade de direitos e oportunidades. O que significa isso? Retomamos aqui a dificuldade de conseguir viver bem essa tensão entre igualdade / diversidade, quando temos papéis de gênero muito diferenciados: mulher que só faz uma coisa e homem outra. A imagem, por exemplo, da mulher que não entende de carro e do homem que não entende de cozinha, da mulher que tem que aparentar fraqueza e do homem que tem que aparentar fortaleza. A imagem desta polaridade entre homens e mulheres, com papéis muito definidos, pode ser sintetizada através da separação entre as duas esferas, do público e do privado, em que o homem estaria no mundo público e a mulher no mundo privado.
A transformação que começou a se dar, a partir do século XX, com uma maior participação da mulher no espaço público - através de sua entrada no mercado de trabalho, acesso à educação e direito ao voto - significou já uma alteração nesse esquema: começou a se romper essa polaridade tão violenta entre homem e mulher. Só que isso aconteceu ainda de forma parcial. A mulher começou a entrar na esfera pública, mas o homem continua ainda participando muito pouco da esfera privada.
Felizmente, a turma jovem está aí presente mostrando que é possível também para os homens assumir muito mais a esfera privada, o espaço doméstico, da casa e, sobretudo, o espaço do cuidado com as crianças. Descobrir a importância da paternidade e poder vivenciá-la concretamente é, para os homens, uma riqueza enorme. E este movimento está criando justamente esse espaço, essa possibilidade para que os homens assumam de alguma forma o seu lado feminino e para que as mulheres possam se afirmar na esfera pública, sabendo que terão uma retaguarda. Porque nós, mulheres, sabemos bem como é difícil dar conta de tudo, do trabalho fora de casa e do trabalho dentro de casa, sem poder, muitas vezes, partilhar todas essas etapas com o companheiro. Pensando um pouco nisso, queremos assinalar mais uma vez a importância da ideia de parceria, pela qual temos que lutar, sabendo, ao mesmo tempo, que é complicado mesmo, que ainda estamos engatinhando nessa primeira etapa.
Neste processo, será que poderíamos dizer que ele se completaria quando homens e mulheres participassem integralmente de ambas as esferas? Essa igualdade de oportunidades poderia significar uma dissolução das diferenças? Aqui, mais uma vez, vejo o risco de continuarmos a pensar na esfera pública com um modelo patriarcal: isto significaria que, para a mulher entrar no mundo público, o mundo dos homens, ela teria que se masculinizar. É aí que realmente deve-se descobrir esse equilíbrio, mantendo a própria identidade.
É complicado isso também por uma outra questão: é que não temos muitas categorias que nos ajudem a pensar esse processo de transformação, exatamente porque é um processo novo. Sabemos o que não queremos, como, por exemplo, continuar neste sistema patriarcal, dentro do sistema da subordinação, mas não sabemos bem como superar isso. Como vai ser? O que queremos?
Isto não se define “a priori”; é justamente a partir da experiência que vem se fazendo, na prática, que vai se formulando uma reflexão e um pensamento sobre a mesma. Neste sentido, esse trabalho que vocês estão fazendo aqui é extremamente importante, porque parte de experiências concretas que são muito enriquecedoras e que colocam desafios para se pensar novas categorias.



SEXO E GÊNERO

Neste sentido, um conceito que pode nos ajudar muito é o conceito de gênero. E aqui é importante esclarecer a diferença entre sexo e gênero. Eu estava dizendo que o conceito de gênero é muito rico, porque partiu da experiência de como homens e mulheres se relacionam. A diferença entre eles não se reduz apenas a uma dimensão anátomo-biológica – dada pelo sexo - mas se refere também à forma como esse sexo é vivido e é pensado em cada cultura. Ou seja, neste sentido, o gênero é uma construção social do sexo. Esse conceito é fundamental, porque nos ajuda a vencer o determinismo biológico, que, a partir de diferenças biológicas, legitima e torna irrefutáveis estruturas de subordinação. Ao contrário, o conceito de gênero enriquece nossa reflexão e permite perceber a subordinação baseada em formas culturais de vivenciar a sexualidade. Isto significa que estas não estão estabelecidas de uma vez por todas, mas, pelo contrário, podem ser – e estão sendo – modificadas.; ou seja o conceito de gênero abre as portas para pensar a superação da subordinação.
Isto é explicitado por duas correntes distintas: uma corrente normalmente chamada de essencialista, que parte da idéia de que a natureza feminina e masculina é algo dado, e é o que legitima de certa forma a essência da mulher e do homem. Essa corrente fixa a essência do homem e da mulher como se fosse uma coisa imutável.
Em seguida, vem uma outra corrente, denominada construtivista, que enfatiza a dimensão social e cultural das diferenças sexuais, mostrando que não se trata apenas de um dado biológico, mas da forma como esse dado é encarado em cada sociedade. Mas em reação ao essencialismo, essa corrente construtivista chegou a enfatizar tanto a influência do cultural, que quase se anulava o dado biológico. Isso acontece frequentemente: quando surge uma reação a algo que parece não explicitar bem a realidade, muitas vezes, essa reação elimina o outro aspecto. Neste caso, apagou-se totalmente o biológico como se este não tivesse também a sua importância; e aqui há uma dimensão a ser trabalhada, particularmente levando em conta todos os progressos atuais da Biologia. De qualquer forma, a corrente construtivista trouxe uma contribuição importante, fundamentando o conceito de gênero.
Mas este conceito, que foi - e continua sendo - tão rico para nós, começa também a ser criticado por uma outra vertente. Algumas feministas europeias e ligadas à psicanálise têm a sensação de que, ao limitar o debate a estas duas dimensões, biológica e cultural, fica subjacente a dicotomia entre corpo e mente - como se esta última fosse uma tábula rasa, influenciada totalmente pela cultura e o corpo fosse apenas um mediador passivo – sem levar em conta, além disso, um elemento muito importante que é o inconsciente.
Essa reflexão das psicanalistas europeias nos coloca um ponto de interrogação sobre essa influência do papel da dimensão psíquica. E leva a ampliar o conceito de diferenças sexuais, na medida em que implica diferenças anátomo-biológicas e diferenças sociais, mas implica, também, diferenças que estão no nível do inconsciente. Isso é importante para se pensar. Não se trata apenas de anatomias diferentes, mas de subjetividades vinculadas a um processo imaginário diferenciado. O sexo também se assume no inconsciente. Isso complica um pouco mais as coisas. Quando avançamos mais nessa temática, vemos como ela é complexa. Mas não se pode deixar de lado esse aspecto psíquico que é fundamental para entender o desenvolvimento tanto do homem quanto da mulher e as formas como as relações entre eles se estabelecem.
O grande desafio que está colocado para nós é exatamente essa articulação entre o biológico, o social e o psíquico, essa exigência de integrar esses distintos fatores. E é isso que vai nos ajudar a colocar a questão das diferenças sem recair no essencialismo. É claro que é sempre complicado, porque se começarmos a enfatizar muito as diferenças, volta-se ao risco outra vez de cair naquela separação que tínhamos visto no começo, naquela polaridade fechada que não nos ajuda nada para pensarmos relações de gênero mais igualitárias.
Direitos Humanos e a Inter-relação entre Feminino e Masculino.
Há que partir sempre do princípio da igualdade de direitos. O conceito de direitos humanos, obviamente, nos ajuda muito, porque ele nos dá uma plataforma básica: só a partir da igualdade de direitos é que se pode falar de diferenças sexuais. Essa tensão entre igualdade e diversidade que nos é dada no conceito de equidade, significa exatamente uma recuperação da identidade masculina e feminina, sem recair no esquema hierárquico. E possibilita olhares diferenciados. Esse foi o grande lema da Conferência das Nações Unidas em Beijing, que aconteceu em 1995, e que foi a maior conferencia internacional de mulheres. O lema era esse: “Olhar o mundo com olhos de mulher”. Isso quer dizer não perder a própria feminilidade, o que nos remete ao conceito do masculino e do feminino. O que significa não perder a feminilidade?
Podemos pensar esses conceitos de masculino e feminino como dois princípios, nos referindo à tradição taoista., com sua polaridade yin / yang . Acho interessante o símbolo que representa o Tao. Vocês se lembram? Há um lado branco e um lado preto que se complementam, mas dentro do branco tem um pontinho preto e dentro do preto tem um pontinho branco. Ou seja, há uma inter-relação entre os dois lados: eles formam a totalidade que é a energia originária, chamada pelos chineses de Chi.
Se entendemos o masculino e o feminino como princípios, podemos dizer que são aquelas energias primordiais que dão origem ao ser humano e que estão entrelaçadas: não se pode pensar o masculino sem o feminino e vice-versa. O importante é lembrar que ganham concretizações diferentes no ser homem e no ser mulher. Ou seja, podemos dizer que o princípio masculino e o princípio feminino são princípios inerentes ao ser humano. Estão presentes em qualquer ser humano só que de formas diferenciadas na mulher e no homem, mas ambos partilham dos dois princípios.
Creio que esta é uma forma rica para se pensar esta articulação das diferenças sexuais, na qual, partindo sempre do princípio da igualdade de direitos, recuperamos esse ser feminino e esse ser masculino.
É claro que isso coloca novos desafios, desafios permanentes. Como é que vamos criar a própria feminilidade em face da masculinidade do outro e vice-versa?
Podemos considerar que cada ser humano traz em si uma dimensão de exterioridade – que se manifesta na interação com a natureza, através do trabalho – e uma dimensão de interioridade – que é o universo do cuidado, dos sentimentos, da espiritualidade. A preocupação permanente é a de equilibrar em nós mesmos - de formas diferenciadas no homem e na mulher - estas duas dimensões, que remetem aos princípios do masculino e do feminino, yin e yang. Isso significa recuperar sobretudo a dimensão do feminino, que era a que se encontrava mais subalterna, considerada de segundo grau, e prioridade exclusiva das mulheres.
Foi o movimento de mulheres, entre outras forças - pois não foi a única! - que, no século XX, abriu novos horizontes, ao valorizar a dimensão do feminino. Anteriormente, a forma dualista de encarar o mundo separava o masculino e o feminino, e, analogamente, separava também o corpo e a mente. Mas não só separava, também hierarquizava: naturalmente o corpo era considerado o menos importante, diante da prevalência da mente e da razão. Para o pensamento racionalista, tudo que era corpo era considerado selvagem, precisava ser domesticado. Foram basicamente os movimentos de mulheres que trouxeram a revalorização de temas como corpo, sexualidade, direito ao prazer, direito de controlar a própria fecundidade. São temas importantes a serem trabalhados por todos nós, homens e mulheres.
Isso supõe também novas formas de pensar e de agir. As mulheres começam a descobrir que a forma de apreender o mundo não passa apenas e exclusivamente pelo pensamento racional, mas passa também pela intuição e pela emoção: são novas formas de produzir conhecimento, passíveis de serem conseguidas através de uma integração mais total de todas as nossa possibilidades. Ou seja, de não reduzir o ser humano apenas à sua racionalidade. Neste sentido, o movimento de mulheres vem criando uma riqueza muito grande na medida em que levanta questões para a própria epistemologia – quer dizer, na própria forma de produzir conhecimento – e afirma a importância de integrar o princípio feminino no campo do saber. Esse é um campo interessante no qual há muito o que avançar.
Outro campo é o que coloca a importância da relação, da solidariedade. Na medida em que o princípio feminino enfatiza estas dimensões, a presença da mulher pode ser um elemento importante para pensar as relações em um nível horizontal, em que todos contribuam, anulando subordinações hierárquicas e recuperando, portanto, um sentido de maior igualdade entre homem e mulher. Neste sentido, a ideia das redes - que vem se expandindo muito ultimamente - demonstra que é possível contribuir para o todo a partir da diversidade, numa linha mais horizontal, sem tanta verticalidade, sem tantas hierarquias. Isso é um ponto importante que vem sendo aberto.
E finalmente, o último ponto que é muito próprio do movimento de mulheres – e que decorre exatamente do princípio feminino em geral - é a idéia do caráter coletivo, comunitário da ação. Acho muito significativas, neste sentido, as tapeçarias da Idade Média: eram fabricadas a múltiplas mãos, não tinham um único autor ou melhor dizendo, uma única autora - porque se suspeita que nas tapeçarias trabalhavam sobretudo as mulheres - que fosse considerado responsável por elas. E o resultado era um belíssimo trabalho. Aqui, acho interessante ressaltar esse caráter coletivo da obra. É a ideia de “mutirão” e de solidariedade que já estava presente naquela época e que é muito própria desse princípio feminino. É freqüente vermos isso em movimentos e organizações de mulheres. Essa dimensão de “mutirão” e de partilha, é um aspecto muito rico, que está surgindo como um desafio para nós de todo esse movimento na linha de conseguir relações mais igualitárias entre homens e mulheres.
Queria terminar lembrando um fato atual, que me parece significativo e muito próprio desta dimensão feminina. Algumas mulheres descobriram, há alguns meses atrás, que o Prêmio Nobel vem sendo dado, ao longo de vários anos, prioritariamente aos homens. Ás vezes, lembramos o nome de alguma mulher - estou lembrando agora, o Prêmio Nobel da Paz dado a Rigoberta Menchú, que inclusive vem da América Latina – mas na realidade são poucas as mulheres que obtiveram o prêmio, em relação ao número de homens. Diante dessa constatação, estas mulheres resolveram fazer um movimento, sugerindo que para o próximo Prêmio Nobel fossem propostos nomes de mil mulheres, escolhidas por todo o mundo. E isso já está sendo feito. Estão sendo selecionados os nomes de mulheres de todos os países e de diversas classes sociais; aliás, o movimento se preocupa muito de que não sejam escolhidas apenas as mulheres mais notáveis ou as mais famosas, mas que se selecionem também mulheres que estão lá na base, cujos nomes não são tão conhecidos e que não estão na mídia mas que, no entanto, estão fazendo um trabalho fantástico.
Este “mutirão” mundial me parece muito significativo. E mesmo que não obtenha o prêmio Nobel, o simples fato de existir expressa esta dimensão do feminino, que precisa ser reconhecido como imprescindível, tanto para as mulheres como também para os homens. Só assim tanto umas quanto outros conseguirão realizar uma parceria que realmente respeite a igualdade e a diversidade e que ajude a construir um mundo mais justo e mais feliz.
Retirado do: http ://www.iserassessoria.org.br

Analisando esta matéria, podemos constatar que a vida real ainda mantém as desigualdades de gêneros, principalmente no que se refere ao campo de trabalho,mais ainda aos cargos de mando. Em Mimoso do Sul, essa realidade se caracteriza por exemplo na ocupação da Câmara de Vereadores, que, apesar de já ter havido vereadoras, nunca preencheu o número de vagas destinado a elas. Na prefeitura, em todas as décadas de existencia do município, só teve em sua história uma prefeita, a Srª Flávia Roberta Cysne Rangel. Em termos de cidadãos comuns, a questão da desigualdade entre os gêneros é algo mais camuflado e ameno.

Por Maria Aparecida R. Marques e Irene Cristina dos Santos Costa, 
GrupoMSul04 "Performance Negra"

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